Zé Silva, 43 anos, matuto, porteiro de um prédio chique na Zona Sul do Rio de Janeiro. Conhecido como cachaceiro, porém um profissional exemplar. Ganhou um convite de um morador do prédio para um festival de vinho na cidade. Zé não ia perder a oportunidade de beber de graça e foi.
Chegando lá, viu um standing e logo entrou nele. Sentou numa cadeira de frente a um balcão e logo foi servido com uma taça de vinho. Ao seu lado, um desses caras provadores de vinhos.
- Hum...
- Hummm...
- Humrumm...
- Eca.
- Eca? Quem falou Eca?
- Fui eu, ô meu. Cê num acha que esse vinho tá com um gostão estranho?
- Que é isso! Ele lembra frutas secas adamascadas, com leve toque de trufas brancas, revelando um retrogosto persistente, mas sutil, que enevoa as papilas de lembranças tropicais atávicas.
- Eita! Você cheirou isso tudo aí no copo, meu?
- Claro. Sou enólogo laureado. E o senhor?
- Eu não, seu besta! Sou isso não senhor... Mas que isso aqui tá me cheirando a minha cadelinha Gertrudes depois da chuva, tá.
- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!
- O senhor me desculpe, mas eu vi o senhor sacudindo o copo e enfiando o narigão lá dentro. O senhor está gripado?
- Isso são técnicas internacionais de degustação, entende?
- Entendo. Lá no bar do Tiramãodaí a gente também tem umas manias esquisitas.
- Ah, é? Os senhores também praticam degustação?
- Não, só engolição. A gente olha bem a marvada, assim contra o sol, que é pra ver se num tem barata dentro, depois joga um tiquim pro santo e manda ver! A bicha desce que só vendo! Sai carrascando tudo, bate lá no bucho e sobe que nem rojão na festa da Trindade. Com meia dúzia, o pessoal já tá avançando nas saias das comadres que é um desassossego. Às veiz sai tapa.
- Disgusting!
- Icha, um desgosto danado! Já teve casamento desmanchado...
- Caso queira, posso ser seu mestre na arte enológica. O senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha, escolher a taça, deitar o vinho e então...
- E então molhar o biscoito, né? Tô fora, seu fruta adamascada.
- O querido não entendeu. O que eu quero é introduzi-lo no...
- Mas num vai introduzir mais é nem! Desafasta!
- Calma. O senhor precisa conhecer nosso grupo de degustação. Hoje, por exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens...
- Eu sabia que tinha francês nessa história...
- O senhor poderia começar com um Beaujolais.
- Num beijo lé, nem beijo lá. Eu só é homem!
- Então, que tal um mais encorpado?
- Óia, num brinca!
- Ou então, um suave, fresco.
- Seu moço, o senhor tá brincando com fogo.
- Já sei: iniciemos com um brut, curto e duro. O senhor vai gostar.
- Num vou não. Num é questão de tamanho e firmeza. Meu negócio é outro.
- Então um aveludado e escorregadio.
- E que tal a mão no pédouvido?
- Ou um duro e macio?
- E um tapão nas ventas?
- Mole e redondo, com bouquet forte?
- Agora o senhor pulou o corguinho... Não corre não! Eu te arrebento, seu brocha fedorento!
Assinar:
Postar comentários (Atom)